A Qualidade da Iluminação no Ambiente Hospitalar

Por: Alexandre Gois

Introdução

A iluminação hospitalar vai muito além da simples visibilidade. Ela é um elemento essencial para o conforto, a recuperação e o bem-estar dos pacientes e profissionais de saúde.

Esta pesquisa analisa estratégias para promover o conforto lumínico em edificações hospitalares, tendo como foco a integração entre iluminação natural e artificial. Foram investigadas três questões principais:
[1] Quais elementos norteiam o projeto de iluminação em ambientes de saúde;
[2] Se a iluminação artificial em LED pode causar danos ou desconfortos aos ocupantes;
[3] Como as normas e recomendações técnicas — ABNT ISO 8995-1, ABNT NBR 15215, DIN 5035-3, DIN EN 12464-1, IESNA ANSI IES RP-29-16, LEED 2009 for Healthcare e WELL Building Standard v1 — contribuem para o bem-estar dos usuários.

A metodologia envolveu revisões bibliográficas (natural e artificial), questionários aplicados a associados da ABDEH, entrevistas com arquitetos e lighting designers da área hospitalar e simulações computacionais (AGI 32 e LICASO) realizadas em enfermarias do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG) no Rio de Janeiro.

Os resultados destacam a relevância da luz natural nas decisões projetuais e confirmam que a combinação de iluminação adequada às normas favorece a sincronização do ritmo circadiano, promovendo bem-estar e eficiência energética nos ambientes de saúde.

Objetivos

Primário: Analisar a integração entre luz natural e artificial em leitos hospitalares com base em normas reconhecidas (ABNT NBR 15215, ABNT ISO 8995-1, IESNA RP-29), propondo diretrizes complementares à RDC nº 50, que ainda carece de parâmetros específicos de iluminação.

Secundário: Avaliar se as tipologias de luminárias e sistemas de iluminação especificados em ambientes hospitalares contribuem para a manutenção do ritmo circadiano, utilizando o índice CS (Circadian Stimulus) como referência.

Ciclo de atividade humana.
Fonte: LIGHTING EUROPE, 2016.

Metodologia Aplicada

A pesquisa combinou diferentes abordagens:

  • Revisão bibliográfica sobre luz natural, artificial e ritmo circadiano;
  • Questionários aplicados a profissionais da ABDEH (Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Edificação Hospitalar);
  • Entrevistas com arquitetos e lighting designers especializados em ambientes de saúde;
  • Simulações computacionais de iluminação (AGI 32 e LICASO) para avaliar o impacto da luz natural e artificial nas enfermarias do HUGG.

Relevância para o Mercado de Iluminação

Para empresas e profissionais do setor de iluminação, este estudo reforça a importância de soluções que considerem não apenas eficiência energética, mas também saúde e conforto humano. Tecnologias como sistemas HCL (Human Centric Lighting), drivers com ajuste dinâmico de cor e controles inteligentes são aliados na criação de ambientes curativos e sustentáveis.

A iluminação artificial pode ser projetada para simular a tonalidade e o comportamento espectral da luz natural, contribuindo significativamente para a regulação do ciclo circadiano dos pacientes. Essa estratégia permite manter o relógio biológico em equilíbrio, garantindo a produção e inibição adequadas de hormônios, como melatonina e cortisol, fundamentais para o sono, disposição e recuperação física (MINGRONI, 2019).

Como exemplo, Mingroni (2019) desenvolveu e especificou luminárias com tecnologia Tunable White, que possibilitam o ajuste dinâmico da temperatura de cor entre 2700K e 6000K. Essas luminárias utilizam LEDs com composição espectral semelhante à luz solar, promovendo condições de iluminação mais naturais e biológicas. O estudo representa um exemplo prático da aplicação dessa tecnologia no Brasil, conforme ilustrado na figura abaixo.

Leitos de internação do Hospital Vila Nova Star.
Fonte: MINGRONI, 2019.

Resultados

A partir da metodologia desenvolvida e, com base nos resultados da revisão bibliográfica integrativa, esta pesquisa elegeu a luz circadiana como um conceito chave para a análise realizada. Nessa definição, a luz é referenciada em estudos de cronobiologia e, na descoberta de receptores não visuais no sistema de foto transdução da retina, que é o responsável pelo estímulo do relógio biológico dos seres humanos. Foram identificados ainda, fatores que contribuem para o uso da luz natural e artificial em ambientes de saúde, bem como a relação desses com as atitudes dos arquitetos e seus princípios projetuais.

Uma das questões que fomentaram esta pesquisa foi: como o LED pode ser classificado como uma luz deletéria ao ser humano e ao mesmo tempo ser utilizada em sistemas que promovem a regulação do ritmo circadiano? A resposta a essa pergunta parte do entendimento da tecnologia de produção de luz branca baseada em semicondutores eletrônicos (LED), que se utiliza de um emissor de luz azul, de comprimento de onda de aproximadamente 470nm. Essa caracterização se aproxima ao pico de sensibilidade dos receptores ipRGCS, que regulam a produção de hormônios, dentre eles o cortisol e a melatonina. Por conseguinte, podemos inferir num primeiro momento que, os LEDs são fontes de luz que alteram o ritmo circadiano.

Pesquisas na Europa e nos EUA sobre o risco da luz azul indicaram que, a influência no ciclo circadiano dependeria da curva espectral, do tempo e do momento de exposição, da intensidade, e da distribuição espacial. Entretanto, essas informações são escassas em catálogos de produtos de iluminação, que normalmente apresentam apenas o índice de reprodução de cor (IRC) e a temperatura de cor como parâmetros, sendo assim, recomenda-se o uso de IRC elevado (acima de 90), visto que esse índice tem relação direta com uma composição espectral equilibrada. E, conforme a revisão bibliográfica, uma fonte de luz com temperatura de cor mais baixa (2700K) é um indicador de menor influência no ritmo circadiano.

Podemos citar o exemplo da maternidade do HUGG (p. 30), onde foram instaladas luminárias com luz azul nos leitos e corredores da unidade de saúde, sem um estudo preliminar dos impactos que esta luz provocaria nos usuários do espaço. Em sentido oposto, o hospital Vila Nova Star em São Paulo (p. 47) adotou uma tecnologia em que os sistemas de luz baseados em LED, pudessem ser controlados de forma a mimetizar o comportamento da luz natural, permitindo a sincronização do ritmo circadiano. Deste modo, os exemplos demonstrados neste estudo reforçaram os resultados da pesquisa bibliográfica que indicaram a tecnologia de LEDs como possuidora de elementos de controle de variáveis de composição espectral, e que ao ser aliada a automação, permite o seu uso seguro.

Diante da pesquisa realizada junto aos associados da ABDEH depreende-se que, através do teste de evocação livre de palavras, a diferença entre simbolismo do termo indutor “luz” e o termo indutor “luz de hospital”. Os resultados indicam que as imagens relativas em face da palavra “luz” remetem a atitudes positivas representadas pelas palavras “claridade”, “visão”, “vida” e “sol” Cabe ressaltar que, essas evocações pertencem ao núcleo central da representação social e que, portanto, reproduzem o conceito de benéfico à saúde e ao bem-estar. De forma antagônica, o termo “luz de hospital” tornou-se pejorativo, pois foi simbolizado pela palavra “fria” retratando através de associação com as palavras “medo”, “triste”, “dor”, “desconforto” e “morte”, uma atitude negativa. Devido a frequência elevada e a ordem média de evocação, o vocábulo “fria” está isolado no núcleo central das representações sociais, demonstrando uma ideologia, quase que normativa e influenciada pela história da amostra dos sujeitos no questionário. No que diz respeito ao sistema periférico, as palavras “branca”, “natural”, claridade” e “conforto”, “saúde” tem sentido antagônico, pois sofrem influências externas, permitem novas interpretações e protegem o núcleo central.

Ao sumarizarmos os resultados do questionário aplicado aos associados da ABDEH, através das respostas na escala Likert, observa-se uma aderência aos temas condicionantes, que influenciam a qualidade dos projetos de ambientes de saúde. As questões sobre a norma ANVISA RDC-50 (12); do protagonismo do arquiteto (16); mostram um resultado similar (3,48 e 3,50), não são unanimes, indicando que existem diferentes atitudes que dependem da experiencia do profissional por conta das singularidades de cada projeto. Por outro lado, observa-se um alto grau de concordância (4,88 e 4,76) nas respostas similares sobre os limites do orçamento (14) e as escolhas dos terrenos (15), ambas demonstrando que, o arquiteto lida com decisões tomadas pelo contratante, e essas nem sempre correspondem às necessidades do programa. As questões negativas (13 e 17) mostraram resultados distintos: (2,88 e 3,53 respectivamente). A questão 13 mostra um padrão de discordância entre os sujeitos, ou seja, aderente aos objetivos da pesquisa. Já na questão da influência da equipe médica (17), a concordância é parcial, ligeiramente acima da média, relativizando a identificação dos profissionais de saúde com o projeto arquitetônico. Em relação ao tema de conforto ambiental os respondentes indicam que o orçamento é um elemento de restrição da aplicação de conceitos de projeto, como a opção por elementos passivos de controle de insolação. Segundo a pesquisa as janelas são indispensáveis, principalmente nos ambientes de permanência prolongada. Ao compararmos os resultados através da escala Likert, observa-se praticamente uma unanimidade quando o tema da qualidade do ambiente de saúde se relaciona com as aberturas. Ou seja, janelas operáveis pelo usuário, proporcionam a entrada da luz natural, desde que eles tenham controle sob sua operação.

A análise de conteúdo das entrevistas realizadas com arquitetos e lighting designers revelou que, a responsabilidade pela implementação da luz natural em ambientes de saúde é uma atribuição do arquiteto, visto que é ele quem atua na concepção e gestão dos demais projetos complementares, dentre eles os de iluminação artificial. Em consequência disso, os lighting designers tem pouca influência nestas decisões de projeto. No TEP os entrevistados evocaram somente palavras que remetem a atitudes positivas em relação ao termo indutor “luz” com destaque a palavra “conforto” evidenciando suas preocupações com o usuário. A aplicação da luz artificial circadiana ainda é encarada com dificuldade por conta de custos e falta de especificações técnicas de qualidade.

Cabe salientar que, os resultados da pesquisa sinalizaram que as normas e recomendações propiciaram benefícios aos usuários da edificação de saúde, principalmente quando relacionadas à utilização da luz natural por conta da sincronização do ritmo circadiano. Em vista disso, é recomendável que a norma ANVISA RDC-50 incluísse nos seus termos, ao menos nos ambientes de permanência prolongada, uma obrigatoriedade do uso de fontes de luz artificial dinâmicas, dotadas de controle de intensidade e espectro, e não somente da temperatura de cor, quando não for possível a utilização da luz natural. Nesse aspecto, a situação atual é delicada, uma vez que o projeto de iluminação, para a norma ANVISA RDC-50, é considerado um subprojeto de elétrica, regulado apenas por critérios de iluminância, sem levar em conta questões importantes como, por exemplo, o ofuscamento, no caso da UTI pediátrica do Instituto Fernandes Figueira. Cabe também uma revisão da norma ANVISA RDC-50, em relação aos aspectos qualitativos da iluminação. Por outro lado, observou-se resultados de excelência em hospitais onde as opções do arquiteto prevaleceram sobre os elementos condicionantes de projeto como o orçamento, mantendo-se o atendimento a norma, conforme observado nos exemplos coletados durante as entrevistas com os arquitetos (p. 86; 89 e 90).

De modo semelhante ao que ocorre nas normas, as recomendações de alguns organismos de certificação de edificações, como o PBE-Edifica do PROCEL, nem sempre é privilegiado o bem-estar do usuário, uma vez que, sua concepção está relacionada diretamente com a eficiência energética. Em contrapartida, o WELL Building Standard V1 aborda esse visão sobre o ser humano ao incluir no caderno de encargos de projeto a questão da qualidade da luz no ambiente construído: adequar a iluminância e o índice de reprodução de cores do ambiente à tarefa; prover o controle de ofuscamento; o aproveitamento da luz natural; e a adoção de projeto de iluminação circadiana.

Outro ponto a ser observado está relacionado aos padrões estabelecidos por cada órgão que não necessariamente são corroborados uns com os outros. Fato observado nesta pesquisa quando da observação do resultado da avaliação de aproveitamento de luz natural na enfermaria do HUGG em que, ao considerar o LEED 2009 for Healthcare crédito 8.1 (p. 92), devido à relação de área de piso e de abertura, cujo resultado ficou abaixo do índice seria reprovada, mas que ao ser comparada ao resultado da simulação de autonomia de luz natural foi aprovada tanto pelos critérios da IESNA IES-LM-83-12, quanto da métrica combinada CS (p. 98).

No que tange a discussão dos resultados da simulação de iluminação artificial da enfermaria em relação à métrica combinada CS, ressalta-se que, o ambiente seria menos impactante à noite caso fosse dotado de simples interruptores, em circuitos separados para cada leito, de modo não incomodar aos outros pacientes nos horários de atendimento do corpo médico. Nesse cenário, cabe observar que, nos casos de projetos de edificações hospitalares onde o orçamento for menos restritivo, a adoção de sistemas de iluminação dotados de automação é uma opção viável, conforme exemplos apresentados.

De forma conclusiva, podemos afirmar que a presente pesquisa ilustrou como a métrica CS e o conceito de disponibilidade de luz natural (DA), podem ser utilizadas de forma sistemática pelos arquitetos e lighting designers, com o objetivo de mitigar os problemas relacionados ao ritmo circadiano em ambientes de permanência prolongada como enfermarias e quartos de internação. Desta forma, o método proposto, seja por meio de iluminação natural e/ou artificial, tem potencial para beneficiar aos usuários de ambientes de saúde.

Assim, uma das grandes vantagens do uso da simulação dinâmica da luz natural é a possibilidade de se desenvolver análises mais precisas através das métricas apresentadas, de modo auxiliar nas decisões de projeto. Uma ferramenta que se apresenta como uma alternativa para os profissionais da área de projetos eficientes é o LICASO. Esse programa possui uma grande velocidade para simulação, é de fácil interação com o usuário e trabalha com a norma IESNA IES LM-83-12 (2012). Entretanto, ao fim desta pesquisa, o fabricante informou que esse produto seria descontinuado, devido à norma exigir sua integração com mecanismos automatizados de proteção solar (como persianas e brises), e essa modificação exigiria um grande investimento. No Brasil o programa TROPLUX, atualizado para a versão 8 em 2019, é uma opção viável e alternativa, pois se trata de um produto distribuído de forma gratuita, que atende aos conceitos da norma IESNA IES LM-83-12 (2012), além de estar escrito em língua Portuguesa.

Por fim, nesta dissertação constatamos que, ao considerar a possibilidade de proporcionar saúde e bem-estar aos usuários, a premissa básica de um projeto de arquitetura em ambientes de saúde é o da utilização da luz natural. Desse modo cabem aos arquitetos atitudes para que a objetivação da “Luz de Hospital” seja modificada por influências externas, ancorando-as numa interpretação simbolizada pelas evocações, todas positivas, da palavra “LUZ”.

 

Principais Descobertas

Os resultados mostraram que:

  • A luz natural tem papel fundamental na sincronização do ritmo circadiano, influenciando o sono, o humor e o equilíbrio fisiológico dos ocupantes;
  • A iluminação artificial adequada, quando em conformidade com normas de eficiência energética e conforto visual, melhora a percepção de bem-estar e reduz a fadiga;
  • A combinação de iluminação dinâmica em LED com tecnologias centradas no ser humano (HCL) cria ambiências mais saudáveis e acolhedoras;
  • A falta de integração entre projeto arquitetônico e luminotécnico ainda é um desafio em muitos hospitais brasileiros.

Conclusão 

A pesquisa confirmou que a qualidade da iluminação em ambientes hospitalares influencia diretamente o conforto visual, o bem-estar e a eficiência funcional dos usuários. A luz natural, quando devidamente aproveitada e integrada à iluminação artificial, contribui para a sincronização do ritmo circadiano, melhorando o estado físico e emocional de pacientes e profissionais.

Os resultados das simulações computacionais (AGI 32 e LICASO) demonstraram que a aplicação das normas técnicas — como ABNT ISO 8995-1, ABNT NBR 15215 e IESNA RP-29-16 — permite alcançar níveis adequados de iluminância e uniformidade

Projetos que integram ciência, tecnologia e sensibilidade humana têm o potencial de transformar espaços hospitalares em ambientes terapêuticos, melhorando a experiência de pacientes e profissionais.

 

Fonte e Referência Acadêmica

Dissertação de mestrado de Alexandre Gois de Andrade, intitulada “A Qualidade da Iluminação no Ambiente Hospitalar”, defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no PROARQ – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/246456

Referências

ABNT: NBR ISO/CIE – 8995-1 2013 – Iluminação de ambientes de trabalho.

ABNT: NBR 15215-3 2007 – Iluminação natural – Parte 3: Procedimento de cálculo para a determinação da iluminação natural em ambientes internos.

ANVISA. Normas para Projetos Físicos de Estabelecimentos Assistenciais de Saúde (RDC-50). Brasília, Ministério da Saúde, 2002.

IESNA: ANSI/IES RP29-16 – Lighting for Hospitals and Healthcare Facilities.

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